O Supremo Tribunal Federal, no dia 11 de abril de 2024, no plenário físico, julgou a tese de repercussão geral (Tema 1.237), que orientará as decisões em todo o país, relacionada à possibilidade de o poder público pagar indenizações às famílias de vítimas de balas perdidas, mortas durante operação policial, mesmo quando não há confirmação de onde partiu o disparo de arma de fogo.
O STF decidiu que o Estado deve ser responsabilizado por morte ou ferimento de pessoas que tenham sido vítimas de disparos de armas de fogo em operações de segurança pública, devendo indenizar a vítima ou seus familiares, exceto se demonstrar, nos casos concretos, que seus agentes não deram causa ao resultado lesivo.
A tese de repercussão geral, que será aplicada em casos semelhantes, é a seguinte:
- O Estado é responsável, na esfera cível, por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública, nos termos da Teoria do Risco Administrativo;
- É ônus probatório do ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil; e
- A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado, por constituir elemento indiciário.
Responsabilidades
O tema em tela está relacionado à questão da responsabilidade do policial no exercício das suas funções.
Saliente-se que o policial civil, no exercício das suas relevantes funções, está sujeito à responsabilidade penal, administrativa e civil.
A responsabilidade penal é a que decorre da prática de uma conduta descrita como crime, durante o exercício da função ou relacionada a esta atividade;
A responsabilidade administrativa é a que resulta do descumprimento de um dever e/ou da prática de uma transgressão disciplinar descritos nas normas que estabelecem a conduta funcional do servidor;
E, finalmente, a responsabilidade civil, de ordem patrimonial, decorre de procedimento doloso ou culposo, que ocasiona prejuízo ao Estado ou a terceiro.
A responsabilidade por danos causados ao Estado acontece, entre outros casos, quando há o desaparecimento de uma arma da instituição; quando ocorre a destruição de bens da unidade policial, etc.
É importante consignar que a responsabilidade civil por danos causados ao Estado será apurada pela própria administração, por intermédio de uma sindicância.
Por sua vez, a responsabilidade por danos causados a terceiro ocorre, entre muitas situações, quando pessoa inocente é atingida por disparado efetuado por policial, durante confronto com criminosos; nos casos de acidente com viatura, conduzida imprudentemente, que ocasiona o atropelamento e ferimentos nos pedestres, etc.
O órgão responsável para apurar a responsabilidade civil por danos causados a terceiros é o Poder Judiciário.
Teoria da responsabilidade objetiva
Vale lembrar que o Brasil adotou a teoria da responsabilidade objetiva, no que se refere à responsabilidade civil dos servidores públicos, por danos causados a terceiros.
A teoria da responsabilidade objetiva, estabelecida pelo § 6º, do artigo 37, da Constituição Federal, determina que o Estado é obrigado a indenizar o particular pelos danos causados por seus agentes, independente de dolo ou culpa do servidor.
Entretanto, o Brasil adotou a teoria da responsabilidade objetiva na modalidade do risco administrativo, que estabelece quatro condições para o Estado indenizar o particular:
– existência de um ato administrativo (disparo de arma de fogo pelo policial);
– existência de lesão à integridade física de terceiros (ferimento ou morte da vítima);
– ausência de culpa da vítima (a conduta da vítima não contribuiu para o resultado); e
– o nexo de causalidade (relação entre o disparo efetuado pelo policial e o resultado lesivo).
Ação de regresso
Por outro lado, o Estado, após indenizar o particular, tem o direito e dever de ajuizar ação de regresso contra o policial causador da lesão, caso tenha agido com dolo ou culpa.
A ação de regresso contra o policial causador da lesão é obrigatória, pois a administração não pode isentar de responsabilidade civil seus servidores, porque não possui disponibilidade sobre o patrimônio público.
Isto significa que o policial será obrigado a ressarcir o Estado quando restar comprovado que a sua conduta dolosa ou culposa, durante o confronto, deu causa à lesão ou morte da vítima.
Ação indenizatória
Acrescente-se, finalmente, que a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que o particular que sofreu a lesão não poderá propor a ação indenizatória diretamente em face do policial causador do dano.
Portanto, mesmo quando o policial autor do disparo estiver identificado, a ação indenizatória deverá ser proposta contra o Estado, que, na hipótese de ser condenado, ajuizará ação regressiva contra o servidor.
É delegado de polícia aposentado e professor de Direito Administrativo Disciplinar da Academia de Polícia do Estado de São Paulo.