REFLEXÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO TC – ART. 69, DA LEI 9.099/95
Compartilhamos profundas reflexões sobre as recorrentes investidas da PMSP (Polícia Militar do Estado de São Paulo) sobre as prerrogativas institucionais da PCSP (Polícia Civil do Estado de São Paulo), em especial sobre a atribuição para elaboração de Termo Circunstanciado e seu encaminhamento direto ao Juizado Especial Criminal.
Primeiramente é oportuno lembrar que quem não aprende com a história está fadado a repetir no presente os mesmos erros do passado e, em consequência, comprometer severamente o futuro. O mesmo se aplica aos gestores das instituições.
Sabemos que faz parte do planejamento estratégico da PMSP e dos demais Estados, a curto, médio e longo prazos, assumir as funções de polícia judiciária, que são atribuições constitucionais reservadas às Policias Civis e à Polícia Federal. A questão de elaboração de Termo Circunstanciado é apenas uma de suas metas para o alcance desse objetivo.
Embora tenhamos conhecimento dessa situação de risco de sobrevivência institucional, entramos e nos aposentamos na PCSP sem sabermos qual é o seu plano estratégico de defesa de suas prerrogativas constitucionais, o qual deveria ser recebido, seguido, continuamente aperfeiçoado e repassado para todo gestor que assumisse a titularidade da Delegacia Geral de Polícia.
Diante da ausência desse planejamento estratégico de defesa de seus interesses institucionais, a PCSP continua fragilizada e vulnerável aos recorrentes ataques que vem sofrendo por parte da PMSP, que se infiltra em todos os órgãos de poder para influenciar as autoridades, de forma que suas decisões se amoldem aos seus interesses corporativos.
Enquanto isso, a PCSP que ainda não aprendeu a se posicionar institucionalmente de forma proativa na defesa de suas prerrogativas, continua adotando uma postura meramente reativa e se defendendo de forma recorrente e pontual a cada ataque que periodicamente se repete.
Por tudo isso, é impressionante como a maioria dos nossos pares ainda não percebeu o quanto é forte a Polícia Civil do Estado de São Paulo e o quanto a sua força seria potencializada se mudássemos a nossa mentalidade e postura, bem como e principalmente se adotássemos uma estratégia de defesa institucional, que tivesse continuidade e se aperfeiçoasse nas gestões posteriores.
A sua força também se evidencia quando o órgão responsável pela fiscalização de suas atividades externas, ao invés de contribuir para o seu aperfeiçoamento institucional, preferiu “compartilhar” o exercício de suas atribuições constitucionais que lhe são mais caras ()as investigações policiais) abrindo caminho para que aquela que se apresenta como sua “co-irmã” possa se valer desse precedente, para pleitear prerrogativas institucionais ainda que divorciadas do texto constitucional e a lavratura do Termo Circunstanciado é apenas o primeiro passo nessa direção.
Dessa forma, mesmo sendo uma instituição secular, a PCSP ainda não foi prestigiada com um de seus integrantes elevado ao posto de Secretário de Segurança Pública, enquanto que a PMSP já desfrutou desse prestígio institucional em diversas gestões da pasta, inclusive durante a atual.
Não por acaso, e também por isso mesmo, há muito tempo a PCSP vem sofrendo por inanição com a sempre insuficiente reposição de seus quadros funcionais, sobrecarregando de forma exorbitante o seu reduzido efetivo, que se desdobra no exercício de seu mister, para prestar o melhor serviço de polícia judiciária possível à população do Estado.
Assim, enfrentando dificuldades de natureza pessoal, material e estrutural, que não correspondem aos anseios daqueles que integram as suas carreiras, a PCSP continua sendo vilipendiada em suas atribuições constitucionais, criticada por muitos, atacada por outros, fiscalizada por todos e defendida por poucos e ainda de forma tímida e frágil.
Por tudo isso, é preciso ser muito forte para superar tantos desafios internos e externos e continuar se destacando no país, há mais de um século, pela excelência dos serviços prestados à sociedade, como é a Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Quando afirmamos que os ataques às prerrogativas constitucionais da PCSP são recorrentes, é porque o mesmo filme se repete normalmente quando o Secretário da Segurança Pública é originário dos quadros da Polícia Militar, tanto da ativa quanto da reserva ou então de simpatizante da causa castrense.
Por exemplo, o filme que atualmente está em cartaz na gestão do Secretário de Segurança Pública – Guilherme Derrite, oriundo da Polícia Militar, versando sobre a atribuição para elaborar Termo Circunstanciado, conferida à Polícia Civil como atividade de polícia judiciária, consoante o Art. 69, da Lei nº 9.099/95, foi inicialmente exibido durante a gestão do Secretário de Segurança Dr. Marco Antonio Petrelluzzi (simpatizante da Polícia Militar), através da Resolução SSP 403, de 26/10/2001, que autorizou, em caráter experimental, em algumas regiões do Estado, a elaboração do Termo Circunstanciado pela PMSP, durante o período de 180 (cento e oitenta) dias.
Já na gestão do Secretário Dr. Saulo de Castro Abreu Filho (também simpatizante), a referida Resolução foi prorrogada, através da Resolução SSP/SP 229/2002, mantendo o caráter experimental da autorização nas mesmas regiões, durante mais 180 (cento e oitenta) dias.
Ainda durante a gestão do mesmo Secretário de Segurança Pública, o referido prazo foi prorrogado de forma reiterada, primeiro por mais 6 meses, através da Resolução SSP/SP 517/2002, depois por mais 30 dias, através da Resolução SSP/SP 177/2003, posteriormente por mais 30 dias, através da Resolução SSP/SP 196/2003, depois por mais 30 dias, através da Resolução SSP/SP 264/2003 e a última prorrogação, durante a mesma gestão, foi por mais 30 dia, através da Resolução SSP/SP 292/2003, sempre mantendo a autorização em caráter experimental e em algumas regiões do Estado.
A partir de 14 de agosto de 2008, teve início um importante expediente, inaugurado pelo Ofício nº 1.124/2008, que foi protocolizado na Delegacia Geral de Polícia Adjunta sob o número 12667, em 2 de outubro de 2008.
Esse expediente reúne informações, decisões e fatos tão relevantes sobre a elaboração do Termo Circunstanciado no Estado de São Paulo, que fizeram os ventos mudarem de direção, os gestores reverem seus posicionamentos, o bom senso imperar e o interesse público prevalecer sobre o corporativismo da Polícia Militar do Estado de São Paulo, culminando com a inevitável e pacificadora edição da Resolução SSP SP 233/2009, na época da gestão do Secretário de Segurança – Dr. Antônio Ferreira Pinto, reconhecendo o Termo Circunstanciado como atribuição de polícia judiciária, função constitucionalmente conferida à Polícia Civil.
Através dos lúcidos “considerandos” dessa Resolução SSP SP 233/2009, o próprio Secretário Antônio Ferreira Pinto, que foi Oficial da Polícia Militar Paulista, reconheceu que, “decorridos seis anos, essa autorização para a PM elaborar TC em determinadas regiões do Estado, em caráter nitidamente experimental, tímida e de reduzido alcance, não ensejou a sua ampliação, que seria imperiosa e há muito implantada, se o interesse público assim exigisse ao longo desse período.”
Reconheceu ainda o mesmo Secretário que, “desde a implantação dessa experiência, o relacionamento entre as instituições policiais foi afetado de forma sensível, com crescentes atritos, advindo posturas que prejudicam o bom andamento do serviço policial, em detrimento do interesse público.”
Vale a pena transcrever o Art.1º da Resolução SSP SP 233, de 9 de setembro de 2009, que se encontra em vigor, revogando-se as disposições em contrário: “O policial civil ou militar que tomar conhecimento de prática de infração penal, que se afigure de menor potencial ofensivo deverá comunicá-la imediatamente à Autoridade Policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.”
Porém, o inconformismo da Associação dos Oficiais da PMSP com os termos da Resolução SSP SP 233/2009, revelou que os verdadeiros interessados no que está oculto atrás da questão da elaboração do Termo Circunstanciado por parte da PMSP, não são os Policiais Militares que atuam nas ruas, não são os Praças, não são aqueles da ponta da linha, mas aqueles que permanecem distantes da atividade-fim.
Dessa forma, a referida Associação de Oficiais impetrou Mandado de Segurança (processo nº 053.09.035111-0) contra o Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo – Antônio Ferreira Pinto, pleiteando a anulação dos efeitos da Resolução SSP SP nº 233/2009.
Inicialmente foi indeferida a liminar, mas dessa decisão resultou agravo de instrumento e, ao final, foi concedida a segurança em parte, para anular os efeitos da referida Resolução, em 15/07/2010.
Porém, os efeitos dessa sentença foram suspensos pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 10 de agosto de 2010 e, posteriormente, mantida pelo próprio TJSP (Processo nº 990.10.362786-5).
Em sua decisão, asseverou o Presidente do TJSP: “nas circunstâncias, a execução imediata da sentença resultará em grave violação à ordem jurídica e segurança públicas, na medida em que pode aviventar antigas divergências entre as Polícias Civil e Militar, que motivaram a edição da Resolução SSP SP nº 233/2009, bem como gerar dúvidas e incertezas e prejuízos à administração das policias e ao gerenciamento das políticas públicas de segurança. Assim sendo, o presente pedido é mesmo de ser deferido, eis que existem elementos ensejadores da suspensão. Daí porque defiro o pedido de suspensão dos efeitos da sentença até o seu trânsito em julgado, comunicando-se o Juízo a quo por fax.”
Esses relatos revelam fatos e registos históricos que são desconhecidos por muitos gestores, representantes classistas, políticos, policiais civis e militares e possivelmente pelo próprio Governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Feitas, o qual conta com o respeito e a lealdade da Polícia Civil, mas infelizmente está permitindo que o seu Secretário de Segurança Pública que é Oficial da Polícia Militar Paulista, valha-se do cargo de confiança que ocupa, para defender interesses de sua corporação de origem, reeditando o mesmo filme do passado, ainda que em detrimento da harmonia institucional entre as polícias e da qualidade do serviço de segurança prestado à população do Estado de São Paulo.
Portanto, o tema em questão já foi exaustivamente debatido na esfera administrativa e a PMSP já elaborou o Termo Circunstanciado, durante seis anos, em caráter experimental e em determinadas regiões, porém, o resultado não foi satisfatório para que essa prática fosse ampliada para todo o Estado/SP.
Um dos efeitos colaterais dessa desnecessária disputa institucional, foi a geração de uma crise sem precedentes entre as polícias, a qual foi pacificada com a edição da Resolução SSP SP nº 233/2009, durante a gestão do Dr. Antonio Ferreira Pinto, que era oriundo da própria PMSP.
Porém, como asseverado acima, inconformada com a decisão administrativa tomada, a questão foi submetida pela Associação dos oficiais da PMSP à apreciação do Poder Judiciário, que manteve os termos da Resolução SSP SP 233/2009, decisão essa que já transitou em julgado.
Pela indisfarçável parcialidade do atual Secretário da Pasta, evidenciada ao desenterrar o tema em tela, num momento completamente inoportuno e inconveniente, tendo em vista a preocupante situação em que se encontram as áreas da segurança pública, social, econômica, política e jurídica do nosso país, não é difícil de imaginar o quanto a sociedade paulista será prejudicada, caso a referida Resolução venha a ser alterada.
Pelo cenário nacional atual, é fácil inferir que mais do que nunca precisaremos de união das forças de segurança e não de sua divisão.
Ademais, não é possível fechar os olhos para o fato de que o poder discricionário do atual Secretário de Segurança Pública está indiscutivelmente contaminado pelo impedimento e pela suspeição, tendo em vista o seu interesse direto no desfecho da demanda e a sua indisfarcável e intrínseca relação com uma das partes.
Por outro lado, é oportuno lembrar e agradecer ao Chefe do Executivo Estadual, por estar priorizando a reoxigenação da Polícia Civil, com o expressivo reforço do seu quadro funcional, mediante a nomeação de mais de quatro mil novos Policiais Civis.
Nesse momento tão emblemático para a PCSP, em que pela primeira vez em sua história recebe um reforço tão significativo em seu efetivo, resgatando a sua capacidade para fazer mais e melhor para a população do Estado, esperamos que haja coerência administrativa, para evitar lhe sejam subtraídas atribuições constitucionais e que até o presente momento foram sabiamente preservadas através da Resolução SSP SP nº 233, de 9 de setembro de 2009.
À vista do exposto, e primando pelo interesse público, apelamos para a sensatez e o elevado senso de justiça que caracterizam o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de São Paulo – Tarcísio de Freitas, para que seja adotada a solução mais viável e sem efeitos colaterais para a qualidade do serviço de segurança pública prestado à população paulista, bem como para preservação da harmonia institucional entre a PMSP e a PCSP, determinando a suspensão, por tempo indeterminado, da discussão sobre o tema em tela, por ser desnecessário, inconveniente e completamente inoportuno.
São Paulo, 15 de julho de 2024
ADPESP (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo).
Grupo ‘Guerreiros’.
Fórum Interassociativo e Intersindical das Carreiras Policiais Civis do Estado de São Paulo – RESISTE-PCSP, composto pelas entidades abaixo nominadas, a saber:
Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP),
Associação dos Escrivães de Polícia do Estado de São Paulo (AEPESP),
Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de São Paulo (SEPESP),
Associação dos Funcionários da Polícia Civil do Estado de São Paulo (AFPCESP),
Associação dos Investigadores de Polícia do Estado de São Paulo (AIPESP),
Associação dos Papiloscopistas Policiais do Estado de São Paulo (APPESP),
Associação dos Servidores Públicos da Polícia Científica do Estado de São Paulo (ASPCESP),
Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (CONACATE),
Regional de São Paulo da International Police Association (IPA-SP),
Sindicato dos Trabalhadores em Telemática Policial do Estado de São Paulo (SINTELPOL),
Sindicato dos Policiais Civis de Santos e Região (SINPOLSAN),
Sindicato dos Trabalhadores na Área da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SITRASPESP) e
Sindicato dos Policiais Civis da região de Campinas (SINPOL – Campinas e Região)