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Responsabilidade Política X Responsabilidade Penal

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Publicado em: 12 de Jul de 2018

Há alguns anos a sociedade brasileira vem acompanhando o constante crescimento da investigação de crimes cometidos por titulares de cargos políticos. Consequentemente, pelo evidente interesse social que atraem, o andamento dos processos criminais em que culminam as referidas investigações passaram a ser constantemente divulgados pelos meios de comunicação.

Com esse crescente envolvimento entre política e direito penal, nota-se que fora do meio jurídico, ou até mesmo dentro dele, há uma confusão quanto a responsabilidade penal e a responsabilidade política, levando a crer que são expressões equivalentes, quando, em verdade, não o são.

O sujeito político, quando assume o múnus público, toma para si a obrigação de respeitar a confiança que lhe foi depositada pela sociedade e exercer de forma responsável suas atividades, devendo delas prestar contas. Quando, por alguma razão, consciente ou não, comete uma incorreção e, portanto, falha no exercício da função pública, está sujeito a responsabilidade política pelos seus atos, que se traduz em uma sanção pelo modo com que exerce o poder político.

A responsabilidade política existe independentemente ou não da existência de dolo ou culpa na realização de determinada ação ou omissão, de forma que, se houve uma atuação negativa que tenha causado algum prejuízo fático, o sujeito pode ser responsabilizado mesmo que o resultado não tenha sido intencional ou fruto de alguma inobservância.

A essa presunção de culpa se denomina responsabilidade objetiva, que se traduz na desnecessidade de averiguação das finalidades dos fatos, e é exatamente neste ponto em que se iniciam as incompatibilidades com o direito penal, que não admite presunções.

Diferentemente da esfera política, que, por necessidade, se ocupa por vezes da punição de fatos lícitos, que ensejam na exclusão do sujeito da vida política, o direito penal, como ramo das ciências jurídicas, tem sua aplicação norteada por diversas normas, que incluem regras e princípios balizadores.

Um desses princípios, responsável pela seleção de condutas a serem abarcadas pelo direito penal, é o princípio da intervenção mínima – ou ultima ratio, que determina que o direito penal é a última alternativa a ser buscada pelo Estado para combater determinadas condutas.

É um ramo extremo do direito que tem como objeto os mais violentos transtornos da convivência social e oferece como resposta as mais fortes e restritivas consequências de direitos. Por essa razão, seu trato se dá de forma diversa do que no âmbito da responsabilização política, não admitindo a responsabilização objetiva. No âmbito penal, a responsabilização a ser perseguida é a subjetiva, na qual é necessário que haja a comprovação do dolo ou culpa por parte do agente para que haja, de fato, a sua responsabilização.

Retornando à responsabilização política, no que se refere as suas formas de sanções, a doutrina assenta que são divididas em duas classes, sendo elas a difusa e a institucional. A responsabilidade política difusa diz respeito ao controle exercido pelos cidadãos sobre os governantes, e é concretizado pela formação de um juízo crítico formado pela opinião pública, que deve se traduzir na sua não eleição em um processo eleitoral. Por outro lado, a responsabilização política institucional refere-se a necessidade de o órgão público responsável reprovar a ação negativa do governante e, caso necessário, provocar seu afastamento. Esse sistema tem aplicação própria nas formas parlamentaristas de governo, uma vez que, no presidencialismo, o poder legislativo e executivo emanam do sistema eleitoral e, portanto, possuem autonomia entre si. Assim, embora possa se observar a existência de algumas formas de controle institucional dentro do sistema presidencialista, a responsabilização política se dá, sobretudo, por meio da forma difusa.

No que se refere a efetividade, ambas as formas de responsabilização, tanto a política quanto a penal, são afetadas por fatores que podem comprometer sua concretização, tendo como exemplos os meios de comunicação e o sistema de partidos políticos.

Quanto aos meios de comunicação, percebe-se a importância de sua atuação no que se refere a necessidade de disseminação do maior número possível de informação, para que a responsabilidade política difusa – aquela exercida pelo povo – possa ser concretizada. Assim, percebe-se que o papel dos meios de comunicação se demonstra ímpar, essencialmente em razão de que tem a capacidade de fazer aflorar fatos constitutivos de ilícitos penais e informar irregularidades na aplicação da lei penal. Contudo, na prática, o que se vê é uma mídia tendenciosa, levada por razões ideológicas e outras mais que não nos cabe analisar, de maneira que, apesar de cumprirem de certa forma com seu papel informativo, acabam levando a informação de forma inclinada quando se trata de assuntos penais, além de interferirem em investigações.

No que se refere aos partidos políticos, deviam ser responsáveis por controlar possíveis desvios de seus membros e também orientar seus comportamentos. O que se observa, contudo, é que buscam tendencialmente encobrir qualquer responsabilidade política de seus integrantes.

Frente a esse cenário, a sociedade, desacreditada de seu poder político-democrático, passa a considerar que a solução é a intervenção do Poder Judiciário, aonde se vê a construção do fenômeno da judicialização da política, no qual se busca, por meio da aplicação do direito penal, a responsabilização política.

Ocorre que esse fenômeno, que é um problema político, e não jurídico, além de desfocar as atenções dos cidadãos do seu real papel, possibilita àquele que deveria responder politicamente, a se proteger no processo penal para evitar sua responsabilização política, amparando-se em uma absolvição penal, quando cometeu aberrações políticas.

Por outro lado, sob a perspectiva do poder judiciário, sobrevém a politização da justiça, que acarreta na produção de decisões judiciais viciadas pela motivação político partidarista, e até mesmo a responsabilização criminal como moeda de troca para fins políticos.

Como conclusão ao raciocínio formulado, é importante perceber que, embora cause satisfação social momentânea, a judicialização da política não tem a capacidade de resolver problemas políticos ou questões sociais. Reconhecido esse fato, é necessário que haja um real engajamento social nas questões políticas e eleitorais, para que efetivamente a responsabilização política seja viabilizada e a impunidade não seja uma opção.

Autora: Barbara Bohnen

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