Carlos Alberto Marchi de Queiroz
Policiais civis e militares exercem profissão de altíssimo risco. Sei disso muito bem. Afinal, sou filho de oficial da Força Pública, atual Polícia Militar. Quis o destino que meu pai, reformado na Milícia de Tobias de Aguiar, assistisse meu ingresso na Polícia Civil como delegado. Viu-me chegar ao topo da carreira. Identicamente, o começo da saga do neto, meu filho, investigador, na instituição projetada pelo delegado Antonio de Godói Moreira e Costa e legalmente instituída por Jorge Tibiriçá, presidente do Estado, em 23 de dezembro de 1905.
Policiais militares e civis saem, diariamente, de seus lares, muito cedo, para combater o Mal. Nunca sabem a que horas regressarão à tepidez do ninho. Muitos nunca voltam do enfrentamento. Morrem no cumprimento do dever.
Nesse aspecto, tanto a Polícia Civil, como a Polícia Militar, amparam as famílias dos seus bravos quando as lesões recebidas ou as doenças contraídas resultam em invalidez ou falecimento, promovendo-os, post mortem, inclusive.
Poucos sabem que o governador Márcio França, em 4 de julho de 2018, promulgou a Lei nº 16.786/2018. Garantiu aos policiais civis, militares e da polícia científica, paulistas, assistência jurídica integral e gratuita, sancionando projeto de lei de autoria dos deputados coronel PM Telhada e delegado Olim.
Desde então, policiais têm direito à defesa, na Justiça Comum, na Militar, e nas respectivas Corregedorias, por defensores públicos, quando acusados de infrações penais e administrativas supostamente cometidas no exercício do cargo. Trata-se de realidade das polícias do hemisfério norte, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.
Desde julho, a Delegacia Geral de Polícia e o Comando Geral da PM vêm mantendo contato com a Defensoria Pública a fim de estabelecer uma capilaridade defensiva com a designação de defensores públicos junto à Corregedoria Geral da Polícia Civil, à Corregedoria da Polícia Militar, bem como nas varas criminais comuns e nas especiais da Justiça Militar.
A nova lei agora protege mais de 100 mil policiais militares e 40 mil policiais civis, ativos e inativos, muito embora os defensores públicos não sejam suficientes para atender, também, às demandas da população carente que não pode pagar advogados. Economicamente hipossuficientes, policiais civis e militares não terão dificuldade em provar não dispor de condições econômicas para cobrir os custos de uma defesa adequada. A prova é fácil uma vez que integram carreiras historicamente mal pagas. Os holerites não mentem!
Essa moderníssima conquista, verdadeira vitória de Pirro, é bom começo. Foi possível graças ao talento e idealismo do Coronel Telhada e do Delegado Olim, forjados no combate urbano na Grande São Paulo. Agora, na Assembleia Legislativa, materializaram um direito adquirido, com muito sangue derramado, por suas corporações, há décadas.
A Lei Orgânica da Polícia, Lei Complementar nº 207, de 5 de janeiro de 1979, prevê, exemplificativamente, no artigo 53 que “ao policial civil processado por ato praticado no desempenho de função policial, será prestada assistência judiciária na forma que dispuser o regulamento”.
Márcio França, sensibilizado com o projeto, sancionou lei que ampara ambas corporações, mais a Polícia Científica, colocando defensores públicos à disposição dos policiais, desde que recebam até três salários mínimos, quantia muito abaixo do piso salarial policial.
A lei precisa ser aperfeiçoada, pois obedecido o limite máximo salarial estabelecido administrativamente, e não por lei, pela Defensoria para atendimento da população hipossuficiente economicamente, nenhum policial fará jus ao benefício. O limite precisa ser ajustado pela DGP, QG e Defensoria.
Até lá, policiais continuarão sendo competentemente defendidos por associações e sindicatos, que, com refinada técnica jurídica, suprem realidade desconhecida nas Polícias do Primeiro Mundo, cujos organogramas contam com advogados, de carreira, para atuar na defesa de seus integrantes quando, supostamente, cometem crimes em serviço, conforme mostra o clássico filme Chuva Negra (1989), com Michael Douglas.
Embora segmentos radicais da população repudiem a lei nova, ela representa indiscutível avanço para as corajosas carreiras, historicamente mal pagas. Policiais, hoje, precisam colocar dinheiro próprio para enfrentar tais contingências, quando não afiliados a sindicatos ou associações, o que é injusto.
O ideal de Telhada e de Olin foi recepcionado, recentemente, pelo presidente Bolsonaro que mandou a AGU defender policiais federais. Entretanto, a OAB/SP proporá ADI, Ação Direta de Inconstitucionalidade, face à Lei Telhada-Olim, por supostos vícios, pois, entende que a iniciativa deveria ser da Defensoria Pública cuja lei criadora fala em acusados, e não policiais, necessitados e hipossuficientes economicamente.
São Paulo deveria amar mais seus anjos da guarda!!!
Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito pela Fadusp e membro da Academia Campinense de Letras.
FEV
2019