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Artigo: Previdência para policiais – uma questão de Justiça

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Publicado em: 6 de Fev de 2019

Autores: Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da ADPESP e Maurício José Mendes Resende, diretor Jurídico e de Prerrogativas da ADPESP

Policiais civis de todo o país veem com preocupação anúncios de uma reforma da Previdência que promete alterar radicalmente as regras para obtenção de aposentadorias e pensões, com redução de benefícios, corte de proventos e aumento de idade mínima e de tempo de contribuição.
Não é de hoje que setores interessados em privatizar os recursos captados pela Previdência Social ou em obter desonerações nessa área elegeram os servidores públicos, notadamente os que possuem regimes jurídicos próprios, como responsáveis pelos entraves ao desenvolvimento do país e pelo alegado déficit da Previdência.
Para tanto, desencadearam campanhas midiáticas com a finalidade de convencer a população de que os servidores públicos em geral, aí incluídos policiais civis e militares, professores e agentes prisionais, seriam detentores de uma série de “privilégios”, em prejuízo dos trabalhadores da iniciativa privada, o que não é verdade.
Vamos aos fatos.
A expectativa de vida do policial brasileiro é uma das menores do mundo, não só em razão da elevadíssima incidência de mortes violentas em serviço ou fora dele, que vêm dizimando esses profissionais, ano após ano, como também em consequência de enfermidades adquiridas, em razão da atividade, reconhecidamente insalubre.
Que outro país, fora de um período de guerra, assiste à morte de 453 policiais por ano? Este foi o número de policiais brasileiros mortos em 2016, segundo o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2018 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Foram cinco policiais mortos a cada quatro dias, uma taxa de 1,24 mortes de policiais, por dia.
O Fórum não aponta, contudo, o número de policiais feridos ou afastados do serviço por estresse, traumas que também reduzem a expectativa de vida dos policiais em relação à média da população.
Impor ao policial civil uma idade mínima para aposentadoria superior àquela que ele possui como expectativa de vida ou elevar o tempo de contribuição previdenciária a um patamar que, indiretamente, o impeça de se aposentar antes disso é condenar esse servidor a trabalhar até a morte.
Os policiais civis não possuem uma série de direitos que são garantidos aos trabalhadores da iniciativa privada, como greve e recebimento do FGTS.
Em muitos estados, não recebem horas-extras, adicional noturno ou de periculosidade e se submetem, como ocorre em São Paulo, ao regime especial de trabalho policial (RETP), que se caracteriza pela prestação de serviço em condições precárias de segurança, cumprimento de horário irregular, sujeito a plantões noturnos e a chamadas a qualquer hora do dia ou da noite, excedendo sobremaneira a jornada diária de 8 horas garantida aos demais trabalhadores.
Na prática, em muitos municípios, principalmente do interior, o policial civil permanece ininterruptamente em serviço (24 horas por dia, 7 dias por semana), o que significa que, além de cumprir jornada de trabalho, de segunda a sexta-feira, é responsável, depois disso, pelo atendimento de ocorrências frequentes, como a formalização de prisões, atendimento de locais de crime, representações por medidas protetivas de urgência a vítimas de violência doméstica, entre outras.
Isso significa que o policial civil, ao contrário dos demais trabalhadores, não pode se desligar de sua atividade profissional ao fim da jornada de trabalho, pois permanece vinculado à delegacia, mesmo no “horário de folga”, podendo ser chamado a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive em feriados, para atender ocorrências que reclamem providências imediatas de polícia judiciária.
Esse profissional não pode, por exemplo, se ausentar do município em que reside, durante um fim de semana ou feriado, para viajar com a família, visitar um parente ou mesmo para se dedicar a uma simples atividade de lazer que o impeça de comparecer imediatamente à delegacia, pois, ao contrário dos demais trabalhadores, pode ser acionado a qualquer momento para trabalhar, sem que receba qualquer contrapartida por isso.
Não é exagero dizer que um ano de atividade nesse regime pode significar dois anos ou mais de trabalho de profissionais de outras áreas, que cumprem jornada diária de 8 horas.
A aposentadoria diferenciada do policial civil, portanto, não constitui um privilégio, mas a justa retribuição do Estado e da sociedade àquele que abdicou, durante boa parte da vida, do convívio familiar, de noites de sono, de horas de lazer, com sacrifício, muitas vezes, da própria saúde, para combater a criminalidade e dar segurança à população.
Cabe ressaltar que o policial civil contribui mensalmente para a Previdência com 11% da totalidade da sua remuneração, ao contrário dos trabalhadores da iniciativa privada, que possuem alíquotas de contribuição que variam de 8% e 11%, limitadas ao teto do Regime Geral (R$ 5.832,11).
Mesmo depois de aposentados, os policiais civis descontam a contribuição previdenciária dos seus proventos, mesmo sem qualquer perspectiva de benefício futuro, também ao contrário dos aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social, que deixam de contribuir após a inatividade.
É importante salientar que a aposentadoria integral, bastante criticada e sempre anunciada como um sinônimo de “privilégio” dos servidores públicos, já não existe mais desde a edição da Emenda Constitucional 41/03, que acabou com a paridade e a integralidade das aposentadorias dos servidores públicos que ingressaram a partir de então.
Todos aqueles que entraram no serviço público após a edição da EC 41/03 passaram a ter seus proventos, na inatividade, limitados ao teto do Regime Geral de Previdência Social, o mesmo dos trabalhadores da iniciativa privada, submetendo aqueles que quiserem se aposentar com valores superiores a planos de previdência complementar.
Os policiais se preocupam ainda com tratamento que será dado às pensões por morte deixadas a seus dependentes, que também seriam prejudicados pela reforma da Previdência.
Com efeito, trata-se de uma garantia inalienável daquele que arrisca a própria vida na defesa da sociedade que seus dependentes não fiquem na penúria, caso venha a tombar em combate.
O amparo à família do policial é o mínimo que o Estado deve proporcionar. Trata-se, afinal, de um profissional que vê minguar sua saúde em anos de atividade insalubre ou que, muitas vezes, nem chega a ver seus filhos crescerem, por perder a vida em combate.
Enfim, os critérios para concessão de aposentadorias e pensões na área da Segurança Pública devem ser diferenciados, porquanto a atividade de Segurança Pública é diferente, e não encontra paralelo com nenhuma outra atividade profissional.
Ninguém, em sã consciência, pode pretender que o país tenha polícias civis ou militares envelhecidas com a reforma da Previdência, compostas por integrantes que, em razão da natural limitação física que a idade impõe a todos os indivíduos, não tenham mais saúde para bem desempenhar as suas funções típicas de Estado.
Colocar idosos para combater criminosos jovens, na plenitude do vigor físico, é colocar em risco a própria segurança dessas pessoas, que, com o passar dos anos, já não iriam possuir os mesmos reflexos, dinamismo e energia da juventude.
Por isso, esperam os policiais civis que a equipe econômica do governo, que está preocupada, com razão, com as questões previdenciárias do país, não trate os profissionais da Segurança Pública, na reforma da Previdência, como simples números, como mera despesa para o Estado, mas como profissionais que desempenham uma função essencial ao desenvolvimento do país, peculiar e muitíssimo arriscada, que não deve ser jogada na vala comum, sob pena de estar o Estado praticando uma grande violência contra aqueles que, diuturnamente, combatem esse mal no país.
Como disse Rui Barbosa, há quase um século, “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” (Oração aos Moços, 5ª Edição, 1999, p. 26).

Gustavo Mesquita Galvão Bueno
Presidente da ADPESP

Maurício José Mendes Resende
Diretor Jurídico e de Prerrogativas da ADPESP

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